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Convento do Beato

Convento do Beato

O antigo Convento de S. Bento de Xabregas foi reconstruído em 2005, após séculos de ruína iniciada com um grande incêndio, através de uma intervenção de Mecenato Cultural pela empresa Cerealis, dona da fábrica Nacional e, desde 1999, do Convento que está instalado numa das artérias que conduzem à Alameda do Beato e recentemente vendido a um grupo de investimento internacional (2018).

Aqui viveu o padroeiro da freguesia – frei António da Conceição que nasceu em Pombal, em 1522 e morreu em 11 de maio de 1602, tendo sido efetivamente beatificado pela Santa Sé depois da sua morte.

A população de Lisboa, conhecedora dos feitos milagreiros do padre, há muito que já o tratava por Beato António. O seu nome ultrapassou as paredes do Convento e estendeu-se à zona ribeirinha, onde hoje se compreendem os limites desta freguesia oriental da cidade de Lisboa.

No século XV, naquele local, erguera-se uma pequena ermida de invocação a S. Bento. Esta ermida, cuja origem se desconhece, fora propriedade da rainha D. Isabel, que a recebera de oferta do D. Estêvão de Aguiar, Abade de Alcobaça, após o seu casamento com o rei Afonso V. A rainha, segundo protocolo estabelecido para a oferta, deveria mandar ampliar a ermida, a fim de ali ser construído um hospício para os «Bons Homens de Vilar (de frades)», da congregação dos Frades Lóios. A execução da obra passaria, porém, para as mãos do rei D. Afonso V, após a morte prematura da rainha em 1455, com apenas 23 anos e depois de ter lutado contra o sobrinho e o genro, em Alfarrobeira.

A bula de 1461, concedida pelo Papa Pio II ao rei de Portugal, autorizou que aqueles religiosos se passassem a intitular «Cónegos Seculares de S. João Evangelista», em memória da devoção da Rainha a este Santo. Igualmente, o convento deveria passar a designar-se de S. João Evangelista.

Para a história, no entanto, o templo de S. João ficaria sempre com o nome da pequena ermida que lhe dera origem: Convento de S. Bento de Xabregas, ou Enxobregas. Frei António da Conceição, um dos cónegos daquela Ordem, tendo beneficiado da sua amizade pessoal com o rei D. Sebastião, foi o grande obreiro da ampliação do templo. A amizade deste frade com o rei seria tamanha que, dizem vários historiadores, antes da trágica partida de Alcácer Quibir, veio D. Sebastião à Igreja de S. Bento de Xabregas, para se aconselhar com o seu confessor. Ironicamente, conta o olissiponense Sidónio Miguel, frei António teria realçado a nobreza da decisão do monarca e vaticinou a certeza de uma grande vitória sobre os infiéis.

O duque de Alba, considerado o melhor capitão da época sebastianina, também recebeu, de frei António, a bênção sagrada. Sentindo-se moribundo, após tomar conhecimento da possível morte do rei em terras africanas, em 1580, e antevendo a união ibérica, aquele nobre abandonou o paço da Ribeira e dirigiu-se a este templo oriental, onde viria a falecer.

Também o duque de Bragança, D. Teodósio, pai de D. João IV, o nobre que viria a liderar o movimento da restauração nacional, tinha por hábito vir à igreja de S. Bento de Xabregas, ouvir a palavra de frei António.

Na sequência do Terramoto de 1755, que não danificou o convento, devido à solidez dos materiais de construção, refugiaram-se nesta igreja os frades do Convento dos Lóios, levando com eles as relíquias que puderam salvar. Julga-se que entre esses bens estivesse o túmulo da Infanta D. Catarina, que se diz estar na capela-mor da Igreja, ao lado dos túmulos dos Condes de Linhares. Pensa-se que, no próprio dia 1 de novembro de 1755, tivesse vindo para o templo do Beato, a procissão do padre José Frazão, prior da Conceição Nova. Segundo conta João Baptista de Castro, a procissão, que teria saído da Conceição Nova com o Santíssimo Sacramento debaixo do pálio, teria sido surpreendida pelo terramoto. Não podendo voltar à igreja, porque a fachada se tinha sido aberto em duas, dirigiram-se então os penitentes para o Terreiro do Paço, tendo chegado ao Beato pelas dez horas da noite. Foi um coro choroso e triste de mais de três mil pessoas, a maioria das quais espoliada da casa e dos haveres, que recebeu abrigo no convento do Beato António.

O Real Hospital Militar ocupou parte do Convento, no século XVIII. Mas, a seguir à extinção das Ordens Monásticas e à profanação da Igreja, um incêndio inutilizou as instalações e atingiu o templo. Do sinistro, apenas se salvou a cozinha, o refeitório e o noviciado.

Depois de abandonado, o Convento foi espoliado das suas obras de arte em talha, pinturas e outras riquezas incalculáveis, às quais os cronistas se referem como tendo sido magníficas. O claustro deste edifício, por exemplo, foi apontado como revelando grandeza e sobriedade arquitetural, o que deixa transparecer a imponência magistral do templo.

Na capela-mor, onde estavam os túmulos dos Linhares, as paredes laterais eram revestidas a mármore. Aqui, estava um quadro mostrando S. João Evangelista, escrevendo o «Apocalypse» e várias imagens de Nossa Senhora, de S. João e de S. Lourenço Justiniano.

As outras capelas, treze na totalidade – cinco por cada lado do corpo da igreja, duas no cruzeiro e a capela-mor – eram dedicadas a S. Bartolomeu, à Senhora das Barracas, ao Senhor dos Passos e ao Santíssimo Sacramento. Na Igreja, na portaria, na capela do Reitor, no frontispício, no cruzeiro, no convento e nas capelas havia ricos painéis e notáveis azulejos.

Na escadaria conventual, em mármore branco e cor-de-rosa, que muitos historiadores consideravam ter sido uma das três notáveis escadas de conventos de Lisboa houve, em tempos, várias estátuas que desapareceram. Atualmente, a notável escadaria permanece muito deteriorada.

Em tempos anteriores a 1700, houve uma cerca à volta deste convento, onde predominavam os embrechados (mosaicos caprichosos, com seixos multicores, conchas, cristais, adornos de gruta, entre outros), fazendo lembrar um chafariz de brutescos com invenções de levantar água.

Há ainda a memória de uma gruta fronteira ao edifício, onde estavam talhadas em tamanho natural, várias figuras históricas, dizem os mesmos cronistas, que ali estava representada, em escultura, a morte do Beato António.

A revolução liberal veio autorizar a divisão em lotes das ruínas do Convento, para a construção de armazéns e casas particulares que ainda hoje ali existem.

João de Brito, o antecessor daquela que viria a ser a Companhia Industrial Portugal e Colónias, ficou então com a maior parte do espólio instalando, no que restava do Convento, grandes armazéns de vinho, oficinas de carpintaria, fábrica a vapor e moagem de pão e bolachas. As duas torres, que encimavam a entrada do convento, foram destruídas nesta época, assim como a fachada principal, que foi alterada pelos industriais de modo a adaptar-se às novas funções fabris. O industrial, à semelhança do que outros fizeram naquela época, mandou construir casas para os operários e manteve algumas iniciativas de carácter social, como a criação de uma filarmónica, de uma associação humanitária para os sócios da firma e uma outra de beneficência. Foi ainda criada, pela administração daquele industrial, uma escola primária, fundada pelo Conde de Casal Ribeiro.

A Rainha D. Maria II, por proposta do Duque de Saldanha, concedeu autorização para que o industrial atribuísse a denominação de “A Nacional”, a todos os pr odutos da sua firma, tendo em conta os «relevantes serviços prestados ao País». Os herdeiros de João de Brito, a partir de 1919, registaram os estabelecimentos com o nome da Companhia Industrial Portugal e Colónias SARL que, posteriormente, em 1986, passaria a designar-se apenas NACIONAL – Companhia Industrial de Transformação de Cereais, S.A..

Resta acrescentar a título de curiosidade que, segundo Sidónio Miguel, todos os visitantes da Associação Amigos de Lisboa, ao efetuarem um passeio a esta igreja em 1939, dali saíram «sob a impressão desoladora dum crime cometido contra a arte e contra a cultura histórica. Sem dúvida o maior que Lisboa sofreu, depois do grande, do incrível, de Santo-Antão-o-Novo».